domingo, 9 de fevereiro de 2014

Onde está afinal a Utopia?

Por coincidência, participei muito recentemente num debate dedicada ao tema “Europa e Direitos sociais”, que reuniu dois eurodeputados, Elisa Ferreira e Paulo Rangel.



A dado momento, suscitou-se a discussão em torno da “distribuição” e do “crescimento económico”, com a tese de que só é possível “distribuir” o que ganharmos com um crescimento criador de riqueza – Paulo Rangel – e a imediata postura defensiva, de que ninguém disse que se iria distribuir o que se não tem – Elisa Ferreira –.

Fiz uma intervenção nesta fase do debate, para procurar entender a que conceito de “distribuição” se estavam a referir.

Ponto 1, entendo a “distribuição” como uma “adequada” repartição do rendimento gerado por um país entre as suas componentes: salários, rendas, juros e lucros. E, sobretudo, e complementarmente, com “equidade” ao nível dos salários (e pensões), com o valor da mediana o mais alto possível.

Paro aqui para explicar porque não falo de média, mas de mediana, porque um contributos mais importantes e mais simples de executar para a “causa” das políticas sociais passaria por alterar a forma de apresentação dos números do crescimento económico.

Os indicadores macroeconómicos calculados e divulgados pelos organismos estatais fornecem médias aritméticas, o que significa que pode haver uma melhoria ou degradação do rendimento de um país sem que uma vasta maioria da população sinta qualquer transformação. O PIB, em vez de ser apresentado em termos médios - per capita, que mede o acréscimo médio de rendimento por pessoa – deveria passar a ser apresentado em termos medianos  - que separa a metade inferior da amostra da superior, mais concretamente, 1/2 da população terá valores inferiores ou iguais à mediana e 1/2 da população terá valores superiores ou iguais à mediana - . Passaria a dar a variação que ocorre ao nível dos cidadãos que estão exactamente no meio da distribuição de rendimentos.

Esta mudança de medida teria a vantagem do discurso macroeconómico e político passar a considerar as implicações da redistribuição do rendimento. Por exemplo, na Suécia, em 2009, o rendimento mediano cresceu menos 13% do que o rendimento médio, o que é uma grande diferença e obriga as pensar nos aspectos redistributivos do rendimento.

Ponto 2, também não entendo que a “distribuição”, ou repartição, tem por base necessária um qualquer crescimento económico. Isto, se o ponto de partida for uma excessiva concentração, mais uma, no País. Poucos têm muito rendimento e uma economia não funciona assim.

E, finalmente, ponto 3,  numa defenderei uma distribuição pura, de caridade, sem o ser numa lógica de apoio social e eminente a situações de tragédia social e individual. Ainda hoje, 5 de Fevereiro de 2014, se pode ler do Papa Francisco “desconfio da esmola que não custa e não dói” e o seu ataque ao “poder, luxo e dinheiro, que se tornam ídolos e impedem a distribuição justa das riquezas”. Por isso partilho a causa do empreendedorismo social como a forma mais eficaz e mobilizadora para a inclusão social, tema que poderá ficar para um próximo artigo.

Curioso, é o eurodeputado supostamente mais praticante da fé católica, e que mereceu sempre os maiores cumprimentos e felicitações da própria hierarquia católica presente, ser o que não expressa esta ideia do Papa Francisco…

De facto, pode-se distribuir sem crescer, se a base de partida forem rendimento muito concentrados. E que as políticas da Europa e de Portugal, e das Empresas, e dos próprios “Patrões”, deveria ser desenvolvida nesse sentido.

Voltando às lições que a história nos pode dar, John Kenneth Galbraith, a propósito da crise de 1929, colocou a desigualdade na distribuição de rendimentos como sendo a sua principal causa.

O problema de então não era o consumo potencial em valor absoluto, mas o existirem poucos consumidores, o que tornou a economia dependente de um alto nível de investimento ou de um elevado nível de consumo de bens de luxo, ou de uma composição de ambos, mas gerado por poucos.

O capitalismo moderno tentou, então, resolver o problema através do crédito, incentivando a procura. Por outro lado, desenvolveu-se todo um conjunto de políticas públicas, de génese Keynesiana, com vista a aumentar a procura pública.

Entendo que vivemos idêntica situação, que está aqui o cerne da nossa crise, quando se começou a cortar nos rendimentos das classes médias e baixas e assim se destruiu poder de compra e de criação de emprego.

Mas, com os atuais níveis de endividamento de famílias e empresas, a solução passa necessariamente pela correção real das desigualdades na repartição de rendimentos. Numa sociedade onde a riqueza é melhor distribuída, esta circula melhor. Mais vale entregar migalhas a milhões, do que muito a poucos.

Os salários e as pensões são a melhor forma de distribuir esses rendimentos, sobretudo nos níveis mais baixos e para subsistência. Nos níveis elevados de rendimento, caímos na situação de 1929, com a acumulação e retenção dos fundos financeiros, que não são gastos nem circulam.

Os rendimentos distribuídos a título de salários e de pensões são geralmente vistos como custos, das empresas e do Estado, pelo que se têm promovido as ideias para a sua redução, para aumentar a competitividade das empresas e reduzir o deficit orçamental, respetivamente. Só que, de outra perspetiva, estes rendimentos são importantes para assegurar a procura interna de bens e serviços, necessário para a promoção de novos empregos, e que na Europa se situam na procura da classe média em áreas como a saúde, educação, cultura, turismo, artes, indústrias criativas, património, cuidado geriátrico, etc., e menos nos sectores concorrenciais com os países de baixos custos e sem Estado Providência.

Estes rendimentos também contribuem para as receitas do Estado e para a sua menor despesa em subsídios sociais e de desemprego, assim equilibrando o Orçamento de Estado.

O problema de fundo, que é de toda a União Europeia, está em querermos ser competitivos numa economia globalizada, usando as mesmas armas dos países que nos estão a afetar, com a degradação das condições de trabalho e sociais e enfraquecendo assim a procura interna, que é a fonte criadora do emprego.

"Os países mais desenvolvidos não são aqueles onde os salários são mais baixos, mas onde são mais elevados. Identificamos a disparidade de rendimentos como um dos três maiores perigos para o crescimento global e para a coesão social", segundo declarações recentes de Robert Greenhill (World Economic Fórum, Davos), … " é necessário também debater as compensações dos executivos. Os líderes dos índices de competitividade são sempre a Suíça, Singapura e os países nórdicos, onde os salários são elevados e o Estado Social são sólidos….”

O rendimento disponível dos trabalhadores e pensionistas deve aumentar, se não pela via do acréscimo salarial por ditas razões de competitividade, então (i) pela redução dos custos correntes que têm e (ii) por uma política de distribuição de lucros nos salários, que induza uma maior circulação do dinheiro, que não pode estar parado nos poucos que têm demasiado.

É possível aumentar o rendimento disponível das famílias sem alterar o valor dos salários, se entendidos pelas Empresas como factor de custo e impeditivo da competitividade.

Partilho as questões que coloquei de uma forma muito pragmática e que gostaria de ouvir reflectidas e respondidas nesta fase em que se discute a Europa.

1. O que é que os Organismos decisores europeus querem para os seus cidadãos?
 
Eu entendo que deviam querer aumentar o rendimento disponível das famílias, sem mexer no actual nível de impostos e de salários fixos, para permitir a competitividade da Europa neste mundo globalizado.
 
É possível.
 
Como não gosto de criticar sem apresentar alternativas, irei apresentar medidas para o efeito, dado que o “Diabo está sempre nos pormenores”, não nos grandes desígnios.

2 – Está a Europa a usar os meios, as técnicas, ajustados aos objectivos que pretende para os seus cidadãos?

Não está, claramente, pelo menos para o que entendo como primeiro objectivo.
 
E está aqui o cerne da questão: só fazendo diferente se obtém resultados distintos.

3 - Porque insistem que não há, nem se apresentam alternativas?

Vou apresentar algumas:

 - Capitalizar os clientes dos Bancos, e não diretamente os Bancos, via um Fundo de Desendividamento (que já apresentei nesta revista e que gera rendimento disponível anual de mais 3 mil milhões de euros e receitas de IVA de mais 750 milhões de euros/ano);

- Taxa de 0,1% sobre operações de Bolsa, que evitaria cortar salários e pensões – hoje, 5 de Fevereiro de 2014, transacionaram-se 210 milhões de ações do BCP na BVL, a um preço de fecho de 0,1831 por ação. A aplicação desta taxa – significando que o comprador pagaria 0,1833 e o vendedor receberia 0,1829 - traria cerca de 77 mil euros de receita/dia para o Estado. Se generalizado para 245 dias úteis do ano, 19 milhões de euros e estendido aos restantes 19 títulos do PSI20, atingiria cerca de 380 milhões de euros por ano -;

- Reduzir os preços dos serviços dos oligopólios que estão a tirar rendimentos às famílias (eletricidade, combustíveis, comunicações rodoviárias, telecomunicações, Banca e Seguros);

 - Direcionar o capital público para pequenos projetos e empresários – os Fundos Revitalizar “querem” investir não menos de 2 milhões de euros por empresa;

- Seguir o exemplo da Banca Islâmica e apoiar as necessidades que as pequenas empresas têm para comprar matéria-prima a preços adequados, financiando também o fundo de maneio e não só o investimento corpóreo e incorpóreo. A Banca Islâmica intervém como parceira em projetos específicos de compra da matéria prima e partilha os ganhos no produto final vendido.

- Em vez de descida de IRC, atribuir benefícios de redução do IRC para quem distribui lucros nos salários, nomeadamente fazendo os ganhos das exportações chegar à economia interna por aumento da procura potencial;

4 - Está de facto a Europa interessada em mudar o que tem feito?

Esta intervenção custou-me os adjetivos de apaixonado e utópico, e a redução do empreendedorismo social e da Economia Social a um nicho muito pequeno de intervenção. 

Mas, cada uma das ideias já teve pelo menos uma aplicação prática ao real de uma vida, de uma família. Podia de facto ser generalizada e proporcionar menos infelicidade a tantos, repete este “apaixonado utópico”…  

Por isso, termino a repetir, pode-se distribuir sem crescer. Se os rendimentos já estiverem concentrados.  

E, mais! Só com essa prévia distribuição à cabeça teremos crescimento e mais distribuição do valor.
Utopias?
No seu conceito, ou no desejo de as aplicar?

 

 

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